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Fazendo brócolis com sabor de chocolate

Fazendo brócolis com sabor de chocolate

Esta semana, estava ouvindo uma entrevista sobre a criação e evolução do Duolingo, uma das plataformas mais populares de aprendizado de idiomas do mundo. Achei a história interessante e decidi compartilhar parte dela com vocês e minhas reflexões sobre a gamificação no ensino e no dia a dia.

A História do Duolingo: Como a gamificação revolucionou o aprendizado

A história do Duolingo começa com duas mentes brilhantes: Luis von Ahn, conhecido por seu trabalho em CAPTCHAs, e Severin Hacker, ex-aluno de doutorado de von Ahn na Universidade Carnegie Mellon. Juntos, compartilhavam a crença de que o acesso à educação de qualidade deveria ser um direito universal. Estavam determinados a eliminar barreiras financeiras e geográficas no aprendizado de idiomas, principalmente no inglês.

Até aqui, é apenas mais uma história de sucesso de um app, mas o que me chamou atenção foi a explicação sobre o aprendizado nos dias de hoje e como o app teve que se adaptar.

Primeiro, vamos relembrar que estudar nos tira da zona de conforto, faz gastarmos energia e é algo que nosso cérebro evita, apesar de sabermos de sua importância.

Por outro lado, as distrações nos dias de hoje são abundantes, resultando em uma descarga de dopamina em nosso organismo. Isso nos proporciona prazer imediato, como redes sociais, TikTok, Instagram, jogos de celular, YouTube, Netflix e muitos outros serviços de streaming disponíveis.

Como fazer com que escolham estudar em vez de buscar prazer? É uma tarefa difícil, não é? E achei a metáfora que ele usou perfeita.

Adaptação do App: Gamificação e Recompensas

Imagine chamar uma criança e apresentar a ela um prato com chocolate e outro com brócolis. Você explica que o brócolis é ótimo para a saúde, que ajudará em seu crescimento, imunidade, e que a capacidade de pensar e focar será aprimorada. Tudo muito lógico.

Quantas crianças, que gostam de chocolate (e faço esse adendo porque meu filho Gabriel não gosta), escolheriam o brócolis em vez do chocolate? Acredito que muito poucas, senão nenhuma.

Então, volto à pergunta: como fazer com que as pessoas estudem em vez de se entregarem ao prazer imediato? Simples, fazendo com que o brócolis cheire e tenha gosto de chocolate.

“Mas Bruno, agora você viajou. O que quer dizer com isso?”

Gamificação e Recompensas

Bem, no caso do app, eles começaram a pesquisar o que fazia as pessoas se envolverem com redes sociais, jogos e as recompensas de dopamina. Descobriram que a forma como o conteúdo era apresentado e a interação por meio de desafios, jogos que se tornavam mais difíceis, recomendações e bônus por completude e recorrência (como os que às vezes vemos em aplicativos de academia: “Parabéns, você completou 5 dias seguidos e ganhou 2 moedinhas”), eram o que realmente prendia as pessoas e liberava a dopamina.

Com isso, implementaram no app a gamificação, desafios e conquistas (badges) que os usuários conquistavam nos jogos. Tudo isso motivou as pessoas a passarem mais tempo e a revisitarem o aplicativo com mais frequência.

E se você acha que essa história não tem nada a ver com você, vamos abrir a caixa de Pandora.

Quando falamos de criar novos hábitos, enfrentamos a mesma competição pela atenção de nosso cérebro e os mesmos desafios de evitar o chocolate em favor do brócolis.

Ir à academia pode ser o seu “brócolis”. Talvez o que falte para te motivar seja associar esse hábito a algo desafiador que gere recompensas. Já reparou que há pessoas que vão à academia para postar “tá pago”? Sabe o que é isso? É um desafio cumprido.

No trabalho, muitas empresas têm adotado o modelo de gamificação para engajar as pessoas tanto no aprendizado quanto no compartilhamento do conhecimento. Quanto mais cursos você faz e quanto mais você colabora com o time, mais recompensas você obtém. Em alguns casos, até viagens para o exterior estão em jogo.

E nem preciso lembrar que são desafios saudáveis, que não devem gerar competição excessiva e fazer as pessoas mudarem seu foco de colaboração para resultados individuais, senão o remédio vira veneno.

Desafios na Educação e no Trabalho

Agora chegamos ao ponto que considero o mais importante de todo o episódio. Esse excesso de estímulos e recompensas é um caminho cada vez mais comum na vida das pessoas, principalmente dos nativos digitais, aqueles que nasceram numa época em que não sabem o que é viver sem internet ou computador.

Nas escolas, os professores enfrentam uma disputa de atenção desleal com modelos pedagógicos frequentemente burocráticos, enfadonhos e desinteressantes, com o foco apenas na transmissão do conteúdo, da mesma forma que era feito há mais de 80 anos.

“Ah, Bruno, então é só retirar as telas, não é? Tire o celular, tire o tablet, tire a TV.” Infelizmente, não é tão simples. Hoje, esses dispositivos fazem parte do cotidiano, incluindo o aspecto social e de aprendizado, como o próprio Duolingo.

Hoje, as crianças são cada vez mais impacientes e ansiosas, buscando recompensas imediatas e velocidade que é difícil de controlar. Ou será que é possível controlar?

Tirar a possibilidade de desenvolverem habilidades com tecnologia é quase como torná-las analfabetas digitais, o que terá um grande impacto em seu futuro. Por outro lado, o excesso pode torná-las dependentes, ansiosas e impacientes.

Equilíbrio entre Gamificação e Aprendizado

Não existe uma receita pronta, e cada pessoa, seja criança ou adulto, reagirá de maneira diferente. No entanto, é importante buscar maneiras de tornar os “brócolis” mais apetitosos, seja no trabalho, em algo que você precisa aprender ou numa aula na escola.

Procure incentivar a escolha entre essa atividade e a recompensa imediata, buscando equilíbrio. Às vezes, será necessário dizer não, e no caso das crianças, pode haver um período de abstinência, quase como lidar com uma droga. No entanto, é essencial encontrar o equilíbrio e instilar essa mentalidade em seus filhos, pois isso influenciará suas vidas no futuro.

Se você é um educador, seja em uma instituição de ensino, no trabalho ou em casa, pense em como está transmitindo conhecimento, se realmente está captando a atenção ou se está apenas forçando a passagem do conteúdo, gerando ansiedade para que termine e todos possam voltar às recompensas.

Conclusão

Conversando sobre esse assunto, lembrei que Gabriel tem um professor favorito, e não apenas ele, mas toda a turma adora esse professor. Conversei com ele para entender o motivo.

A verdade é que esse professor não se coloca em uma posição superior, dá aula no meio da sala, incentiva a interação dos alunos, usa a gamificação na qual todos participam e aplica cenários reais para exemplificar os temas que está ensinando. Por exemplo, ao falar sobre fusos horários, usou meu irmão como exemplo, já que ele mora na Austrália.

Tudo isso faz com que esse professor seja visto de forma diferente, porque suas aulas são mais divertidas e cativantes. Isso não significa que ele deixe de ensinar o que precisa ser ensinado, mas ele compreendeu que vencer essa competição pela atenção requer adaptação.

 

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